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Contribuições de Freud à Arte e à Cultura

ETUDES SUR LA MORT
THANATOLOGIE
LA PEINE DE MORT 
 




PREFÁCIOS

O DIREITO A TER CRIANÇA FORA DA SEXUALIDADE
PREFÁCIO JURÍDICO 
Prof. Tit. Dr. Eduardo de Oliveira Leite(1) 
        Ao receber a tese de doutorado para prefaciar, com a qual a Doutora Silvane Maria Marchesini obteve o título de Doutora junto à Universidade de Nice Sophia Antipolis, na França, assaltou-me uma série de dúvidas, quer de ordem pessoal, quer de ordem intelectual. 
       As de ordem pessoal – como já tive oportunidade de afirmar– decorrem da complexidade de um tema ainda não plenamente enfrentado pela intelectualidade jurídica nacional e que, por isso mesmo, leva-me a encarar a temática com profunda desconfiança e temor. A mídia inculta procura banalizar e mediatizar um assunto extremamente delicado e preocupante que precisa ser trabalhado por intelectuais altamente habilitados e preparados ao enfrentamento das questões decorrentes da homoparentalidade. Mas, ao contrário do esperável, o assunto discutido e argumentado com uma superficialidade desconcertante e que só tem conduzido a problemática a lugar nenhum. Em outras palavras, diz-se muito, fala-se muito e não se consegue visualizar nada de aproveitável (ao menos em sede científica e, pois, demonstrável de forma incontestável) sobre a dificílimaquestão que tanta polêmica tem gerado. 
        E se a polêmica continua acesa porque ainda não se conseguiu trazer argumentos suficientemente válidos à elucidação da tormentosa questão. Por isso, quer em produção escrita (publicações) quer em manifestação verbal (seminários ou congressos) evito discutir a temática sobrisco de fomentar desnecessários mal-entendidos que conduzem, necessariamente, àquilo que Jean-Pierre Winter chamou de “estigmatização de qualquer expressão de perplexidade, de ‘reacionária’, ou ainda, de ‘homofóbica’”. 
        O caráter suspeito do entusiasmo das mídias a respeito desta causa, conduz – quase sempre – a uma postura maniqueísta perigosa, na medida em que o sujeito é automaticamente rotulado de reacionário (quando não concorda com a pretendida “igualdade de direitos” entre homo e heterossexuais), ou “progressista” quando apoia os movimentos homossexuais (mesmo que não tenha a menor ideia do que está apoiando). 
        O terreno aqui trilhado, como se percebe, minado e eivado de dificuldades inúmeras que podem conduzir um incauto em manifesto erro, ou equívoco, de efeitos imprevisíveis e inimagináveis
        Já as questões de ordem intelectual são bem mais graves, na medida em que uma afirmação feita em ambiente científico produz toda uma série de reações que, em cadeia, podem produzir resultados válidos ou temerários capazes de comprometer a razoabilidade e o bom-senso exigíveis na análise de problemas cru- ciais. Ora, sabido que a temática da homoparentalidade está longe de se pacificar e de adentrarno terreno sereno da unanimidade. 
        O que se vê a manifestação da mais escancarada ideologia, sob um verniz de cientificidade, altamente contestável porque não resiste a mais singela apreciação de cunho verdadeiramente científico. No caso brasileiro,em que as posições político-ideológicas parecem tudo comprometer, a situação agrava-se ainda mais, na medida em que certos organismos (sob a falsa roupagem de Institutos, Sociedades ou Associações) procuram resolver as questões tormentosas colocadas pelo mundo jurídico, a partir de posturas de caráter nitidamente pessoal, sem qualquer possibilidade de serem comprovadas por leis científicas, como se espera do conhecimento culto em oposição ao vulgar. 
(1) Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (1973). Doutorado em Direito Internacional Privado – Nouvelle Sorbone (1976). Pós-doutorado em Direito de Família, pelo “Centre du Droit de la Famille”, da Universidade “Jean Moulin” – Lyon, França (1996). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Advogado (OAB/PR: 10.334). Conferencista e escritor. Professor adjunto da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP. Membro da “Internacional Society Of Family Law”, Haia – Holanda. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná e da Academia Paranaense de Letras Jurídicas. Atua na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, principalmente nos seguintes áreas: Direito de Família e Direito das Sucessões.         
       
        A gritaria que domina a problemática (em prova inconteste de que a paixão se sobrepõe à razão) assume contornos inaceitáveis tendentes a dissimular as verdadeiras questões que subjazem ao tormentoso tema e – o que é mais grave – apresenta soluções, na maioria das vezes, completamente alheias e contrárias às premissas fundamentais erigidas pelo melhor Direito, como parâmetros determinadores de justiça e legalidade. 
        Por isso, quando recebi o trabalho de Silvane Marchesini vacilei em apreciá-lo temendo enfrentar mais uma proposta meramente ideológica, sem conteúdo científico. Além disso, conforme manifestação verbal da autora: “– Não houve preocupação com o estabelecimento de um plano inicial [...]” o que dificulta, numa pri- meira abordagem, o acompanhamento do fio condutor que deve dominar trabalhos científicos desta natureza
        Não foi isso, entretanto, o que ocorreu. Desde a leitura das primeiras páginas de sua monografia fiquei convencido que estava diante de um trabalho científico com questionamentos inéditose permeado de grande e notável erudição. 
        Afirmando, ab initio, que “Os discursos do Direito se prendem à proteção da vida e de seus valores inerentes”, Marchesini se socorre do saber da Psicanálise que pode ajudar os juristas a compreenderem quem é o sujeito de Direito. A proposta inédita e merece reflexão na medida em que estamos habituados aenfrentar os problemas jurídicos a partir de uma visão unitária e centralizadora que exclui o aporte de outros saberes científicos, encarados pelo Direito com cautela, senão, desconfiança. 
        A pergunta crucial que conduz todo o raciocínio da autora parte de um questionamento incomum, porém imantado de significação: 
Qual é a finalidade da legalização da união homossexual diante do interesse geral da humanidade (uma vez que) a opção homossexual é naturalmente estéril? 
        E a partir daí, em gradação cromática que tende a alargar o campo de observação da autora, surgem novas questões, sempre mais desafiadoras. Assim, no debate bioético, quem deverá ser privilegiado: os pais de intenção ou os terceiros, a criança a nascer ou a sociedade? Ou, a homossexualidade não sendo uma identidade pode ser erigida em estatuto legal da pessoa? “[...] em que a teoria psicanalítica pode contribuir sobre reflexões jurídicas bioéticas e às políticas sociais da pós-modernidade, tempos em que a medicalização dos corpos se impõe para o viver e o morrer?”. 
        E, como era de se esperar, a autora questiona a validade e a oportunidade da adoção que, segundo sua ótica, implica em: 
[...] querer ser parente de uma criança que não se gerou, que foi gerada por outros, e que possui em si a riqueza que não vem dos adotantes ou dos procriantes. É preciso então distinguir entre a necessidade e o desejo de ter crianças e, também, as relações entre gerações e a questão da diferença de sexo, pois sem estes fatores a adoção, assim como a filiação em geral, será forçosamente fracassada. 
        Aqui o discurso assume uma gravidade incomum porque deslocando o centro das atenções do viés adulto resgata – com intensidade – o interesse maior da criança (não questionada, muito menos ouvida) sobre um projeto estruturado fora (ou, alheio) à pretensão infantil que não é, sequer, avaliada. 
       “Os aspectos psicológicos” – como ressalta a autora – “conscientes e inconscientes, da ação e da procriação de uma criança são complexos e exigem um trabalho de luto do ‘desejo de criança’ biológica”. Como o Direito avalia (se é que avalia) estas realidades metajurídicas que, certamente, acabam desaguando na ordem jurídica? 
No caso das novas legislações sobre filiação – afirma a autora – saímos da ordem do Direito como ficção e entramos na ordem do Direito como reificador dos fatos, deixando anônimo um ‘terceiro’ doador ou portador, e privando radi- calmente uma criança da liação paternal e maternal originária, ou até mesmo portadora. A partir destas forçagens, tanto jurídicas como médicas, causa-se uma capitis diminutio ao Direito da Criança. 
       A partir dessas premissas e questionamentos preliminares, Marchesini constrói sua indagação científica sem subestimar o aporte decisivo da Psicanálise, enquanto ciência lateral fundamental à compreensão e aplicação do Direito (“[...] a consideração do saber da Psicanálise pelo campo do Direito produz uma modificação da própria noção de lei. Nós tendemos, assim, a considerar a Lei, mesmo as leis jurídicas, como uma instância psíquica.”). 
        A relação dos pais, sempre com base na proposta teórica apresentada pela autora, “[...] é estabelecida tanto pelo biológico quanto pelo psíquico”. Essa forma de encarar as novas parentalidades causa surpresa e perplexidade, já que estamos habituados a apreciar a problemática de ótica meramente jurídica e que ganha, agora, uma nova contextualização geradora de inúmeros questionamentos e prováveis respostas até então não tangenciadas. 
        Dentre as novas parentalidades propostas pela modernidade que o Direito tem dificuldade de absorver destaca-se a adoção de crianças por parceiros homossexuais. E, a partir dessa nova realidade, a autora constata que essa forma de adoção “produz efeitos especí cos sobre a subjetividade do adotado”. E mais: “[...] ela produz efeitos específicos sobre suas expressões psicopatológicas, durante a fase da adolescência, com relação às dificuldades de internalização dos interditos fundamentais de humanização?”. 
        Sem adentrar nas considerações puramente psicanalísticas (segundo o discurso lacaniano, ou a doutrina de Lesourd, amplamente analisadas pela autora) uma vez que na qualidade de jurista nem teríamos elementos para avaliar a dimensão e a importância destas no presente trabalho, preferimos centrar nossa apreciação do trabalho a partir de uma ótica meramente jurídica que justificou e legitimou o título aposto na presente tese, a saber, “A adoção homoparental”– e as implicações da Psicanálise na casuística do Direito. 
        A partir da análise de Nazir Hamad, a autora nos conduz na investigação de questões cruciais que ainda não foram devidamente sopesadas pelos estudiosos da matéria. Assim, “a submissão da criança ao desejo de um adulto não é específico às crianças adotadas [...]. Por outro lado, o que há de específico na criança adotada, é que a realidade de sua história já lhe infringiu esta ferida do fato de seu abandono”. Ora, assim como o casal adotante tem de enfrentar o luto do desejo de uma criança biológica, também “as crianças adotadas devem fazer o luto de suas origens”. Logo, “há di culdades inevitáveis ligadas adoção”. 
        Socorrendo-se da doutrina de Hammad, a autora observa que na adoção “não há uma célula social fundada sobre o laço de sangue ou de um pequeno grupo constituído segundo as obrigações que as leis das alianças ocultam, mas de um contrato moral que o corpo social oficializa pela outorga do patrimônio dos parentes adotivos”. 
        Citando Gérard Pommier, a autora acrescenta mais um dado gerador de tormenta à questão adotiva relativa aos fantasmas da criança. Assim, a partir deste elemento “Pommier afirma que a criança dobra automaticamente a imagem de seus parentes em duas representações. Ela pensa sempre que seus parentes não são verdadeiros e que ela é adotada. Ela foi abandonada em seguida a algumas crueldades do destino, mas que ela vai encontrá-los um dia”. 
        A imersão na seara psicanalítica comprova, ao contrário do que se afirma com superficialidade inaceitável, que a questão da adoção é muito mais complexa do que imaginado e que as pesquisas estão comprovando a necessidade de se realizarem estudos pontuais nessas matérias de modo a minorar o risco de um procedimento ainda vulnerável. 
        Após tecer todas as considerações necessárias a respeito dos aspectos psicológicos e psicanalíticos que envolvem a adoção Marchesini – ainda analisando Pommier – enfrenta, então, o problema maior da adoção por homossexuais resgatando ab initio um dado de transcendental importância: “Um homossexual não pode ter uma criança com outro homossexual, não tanto por razões de ordem orgânica ou fisiológica [...] mas porque o desafio do amor homossexual não prevê tratamento da pulsão de morte graças à diferença de sexos nem à filiação”; concluindo, a partir desta premissa irrefutável, outro dado pouco analisado pela doutrina especializada: “[...] doloroso não ter filhos, e os homossexuais carregam para muitos este fardo. Porém, qualquer que seja o sofrimento de ser privado de descendência, ele resulta de uma escolha que sem dúvida não foi feita conscientemente, mas que é, a final de tudo, questão de assumir”. 
       Assim, toda tentativa equivocada de estabelecer analogia entre o amor heterossexual e o amor homossexual caem por terra, na medida em que “As dificuldades do amor homossexual não podem se regular como se elas fossem as mesmas que aquelas do amor heterossexual”. Ou seja, o mero invocar do princípio consti- tucional que veda o tratamento discriminatório em decorrência da opção sexual, é nada diante da realidade psicoemocional de difícil, senão impossível, negação. 
        Socorrendo-se da doutrina abalizada de Jean-Pierre Winter, a autora denuncia: 

   a questão da homofobia, mal avaliada (“Não haveria, no entanto, nas nossas sociedades uma espécie de heterofobia, no sentido do ódio à diferença?”); 

   do risco de violência àqueles que vivem fora da norma (“[...] alguém que é criado fora de toda norma vive na angústia, e esta angústia transforma-se facilmente em violência”); 

   da lacuna impossível de preencher quando a criança adotada não tem o referencial paterno e materno (“A questão de saber se podemos privar radical e voluntariamente uma criança da filiação paterna, ou materna”); 

   do estabelecimento do parentesco na adoção homossexual (“O amor e a educação são indispensáveis para a criança, mas, certamente, eles não são critérios suficientes para legitimar o parentesco”); 

   da discriminação legal (“Os homossexuais consideram-se vítimas de uma discriminação [...] porém ninguém é proibido de fazer crianças e, nesse caso, ninguém é questionado sobre sua orientação sexual. Não é a lei jurídica que impede os homossexuais de fazer crianças. Então, há uma confusão mantida em relação à questão das crianças criadas por um casal homossexual [...]”); 

   da não aceitação de uma criança adotada por homossexuais no ambiente social vivenciado por crianças oriundas de casais heterossexuais (“O forçamento que constitui para uma criança, qualquer que seja o fato de ter que se apresentar como o filho ou a filha de dois pais do mesmo sexo, fonte de angústia para as outras crianças [...] a ansiedade se exprimirá sob a forma de agressão, de violência ou de sarcasmo. Uma criança que ironiza, que zomba ou mesmo que chega até uma certa violência [...] para com outra criança que possui ‘dois pais’ ou ‘duas mães’ manifesta mediante suas atitudes a angústia nela suscitada por causa de uma filiação que concebe como ‘anormal’, eis que ela não corresponde aos critérios de filiação na qual ela nasceu, ou [...] ela reproduz os ferimentos de sua genealogia [...]”); 

   da insuficiência da educação, como meio de conduzir as crianças à aceitação da parentalidade homossexual (“Todavia, a educação não pode nada contra estas angústias. As crianças que resistem à escola ou à educação são frequentemente crianças angustiadas”); 

   da inocorrência da tão invocada igualdade (“Não é a lei que interdita aos casais homossexuais o direito de ter crianças [...]. O que se tenta fazer esquecer, na reivindicação da igualdade dos casais homossexuais, é que no caso deles, não é o casal que fará a criança, mas um trio. Um trio no mínimo, um quarteto em certos casos, mas não um casal. E não há como ser diferente. A reivindicação da igualdade dos casais é, portanto, sem fundamento, e todos esses argumentos parecem bem distorcidos pois, sob o argumento do casal ‘como os outros’ esconde-se o apagamento do fato de que há três no assunto, três do qual um é excluído, simples instrumento a serviço dos dois outros”), ou seja, a diferença genética e simbólica, que toda a tentativa (vã) da legislação pretende desconsiderar ou minimizar revela-se insuficiente porque “os seres humanos continuam nascendo, ‘colocados no mundo’ pelos seus pais e mães biológicos. E mesmo quando a ciência alcança avanço prodigioso, ela o consegue graças a doadores ou a mães portadoras. Que sejam anônimos ou não, eles são ainda de carne e osso e inscritos na diferença genética e simbólica”. 

       A tão só consideração desses questionamentos levantados por Marchesini é suficiente a garantir a extrema atualidade e validade de seu profícuo trabalho que, como afirmado pela autora, deve servir como “objeto de reflexão”, sem respostas definitivas, mas como um “convite à confiança, mantendo as questões colocadas, de preferência, abertas e não fechadas com respostas ou sugestões de enquadramento legal, que podem ser precoces ou nocivas ao direito das crianças e à construção da subjetividade”. 

       O que instiga e de certa forma nos motiva à pesquisa e à indagação mais aprofundada da problemática ainda aberta – eu diria, completamente aberta no atual estágio de investigação no qual nos encontramos – são as dimensões e as proposições apresentadas por Marchesini causadoras de perplexidade e surpresa, nos deixando em estado atônito, propício ao estudo mais profundo de uma questão que ainda mantém “aberta 
a problemática e os debates” com vistas à garantia não só de uma resposta legal suficiente mas, sobretudo, à fundamental construção da subjetividade. 
       O trabalho de Silvane Maria Marchesini que tenho o privilégio de prefaciar, certamente será um divisor de águas decisivo na continuidade dos estudos, quer sob o enfoque legal, quer psicanalítico, em prova manifesta de que o saber ilimitado e infinito, desafiando a criatividade e a razão humanas, sempre em favor da mais elevada dignidade do Homem. 
Curitiba, maio de 2015. 
Prof. Tit. Dr. Eduardo de Oliveira Leite 



PREFÁCIO PSICANALÍTICO 
Prof. Dr. Xavier- Serge Lesourd(1) 
O DIREITO A TER CRIANÇA FORA DA SEXUALIDADE(2) 
        O próprio título do livro de Silvane Marchesini, o direito de ter uma criança fora da sexualidade, é um paradoxo que vem sublinhar a complexidade das questões que se colocam hoje em seguida ao progresso das tecnologias medicais que separaram o ato sexual da procriação, o ato do desejo da criação de uma nova vida humana. 
       Para tentar esclarecer este paradoxo nós precisamos desenvolver um pouco o que está no coração das questões fundamentais que coloca este livro para nossa pós-modernidade em situando os termos do debate: a questão da origem, o laço entre sexualidade e procriação, a organização dessas questões por essa forma particular de narrativa que é o Direito. 
        Em primeiro lugar, este livro vem tentar questionar esse “mistério da origem” nas coordenadas atuais da Ciência Médica e da governança do mundo pela economia que tentam criar novos direitos para os indivíduos de nossa pós-modernidade. Esse mistério da origem é de todos os tempos, de toda sociedade e de toda idade. “Onde eu estava antes de ser no mundo” esta questão que as crianças sempre colocaram a seus parentes, é uma questão sem resposta. E é porque a origem é um mistério, “o homem é aquele a quem uma imagem falta(3)” que, desde que o homem fala, ele inventou os mitos, as narrrativas, para tentar dar conta e organizar um senso face a este “impensável”. A Teogonia de Hesíodo, como a Gênese e a teoria científica de homúnculos espermáticos ou aquela da penetração do óvulo pelo espermatozoide, são narrativas dessa criação do sujeito que colocam em forma as relações dos humanos à sua origem. Certamente essas narrativas não têm o mesmo valor científico, mas elas têm, entretanto, a mesma função: elas vêm dar conta, para uma época dada, da origem dos laços que fundam um ser humano, dos laços que unem uma criança a seus pai e mãe, genitores ou não. 
       Em seu fundo, todas as concepções da liação, que o Direito leva em conta na sua formalização lógica, restam narrativas que colocam em forma a sucessão das gerações, a reprodução sexual e a diferença dos sexos para uma época dada. 
       De fato, nenhuma época ignorou que precisaria que tivessem relações sexuais genitais entre um homem e uma mulher para que aparecesse, primeiro uma parada do fuxo sanguíneo da menstruação, em seguida uma nova vida no ventre da mulher tornada mãe. A maneira, cujas narrativas dão conta dessa aparição da criança, são múltiplas e variadas, e constituem as particularidades culturais e jurídicas de uma época dada. Nenhuma época, ignorou jamais que certas relações sexuais eram infecundas e cada sociedade inventou os modos particulares de remediar essa esterilidade. Desde os amantes das mães até o casal mãe-pai das sociedades da África Central passando pelas concubinas dos reis e as adoções diversas, todas as soluções imagináveis forão inventadas, para que a esterilidade das relações sexuais pudesse ser compensada por uma prática que permite dar a vida a um descendente. A filiação, de fato, torna-se para o ser humano a única das condições que permite afrontar o outro mistério da vida humana: “que serei-euapós minha morte?”(4) A filiação, assim, para o ser humano é o único lugar que trata em conjunto os mistérios do antes e do depois da 
(1) Psicanalista. Professor de psicologia clínica e psicopatologia da Université de Nice-Sophia Antipolis (06). Doutor e HDR (Habilitação em Dirigir Pesquisas). 
(2)  Tradução livre feita pela autora. O original em francês encontra-se logo após o texto traduzido. 

(3)  QUIGNARD, P. Le sexe et l’effroi. Paris : Ed de Minut, 1987. 

(4)  Outros tipos de narrativas, aquelas do paraíso ou da reencarnação vêm também dar conta desse segundo enigma, mas não é nosso propósito
tratá-las aqui.          
       
vida, que tão bem “eterniza” a vida individual em construindo um antes (a sequência dos ancestrais) e um depois (a sucessão dos descendentes) para além da “presença no mundo” do indivíduo. Nisto a filiação, a qual faz traço do desejo dos genitores e perpetua o desejo subjetivo na criança, se inscreve no coração da psyché humana, na mais íntima, aquela do inconsciente, o lugar do desejo subjetivo que ignora a morte. Ela permite assim ao sujeito, na sua mais estrita intimidade, de ser desde sempre e para sempre, atenuando assim o peso angustiante da finitude. 
        Outras vias são abertas para essa “sobrevivência” como o mostram bem os caminhos da arte, da criação ou da educação. Mas, essas vias sublimatórias que tranformam o desejo de realização de si e de gozo individual em bens culturais e sociais não são sempre abertas ao indivíduo, não por enfraquecimento individual, mas porque as condições reais da vida de um indivíduo podem se opor a isso. Precariedade, miséria, perigo de guerra, insegurança, todos esses fatores, quando eles dominam a vida individual, centrando-a sobre uma sobrevivência imediata, impedem a realização de si pelas obras culturais, e infelizmente é o lote de uma grande parte da humanidade. A filiação se torna então o único meio de sobrevivência do indivíduo.(5) 
       Outra coisa na nossa sociedade moderna é o direito a ter uma criança que reinvindicam esses que colocam em obra uma sexualidade não procriativa, quer essa seja homo ou heterossexuada. Esse Direito a ter uma criança veio originalmente dos parentes heterossexuais que, por diversas razões medicais(6) não podiam ter crianças. O progresso tecnocientífico permitindo remediar, por meios reais e não simbólicos, a ausência de fecundação se colocou a serviço das demandas parentais, relegando os procedimentos simbólicos antigos (Kafala, amante procriador etc.) à categoria de enganos perversos. A concepção tornou-se um negócio médico, uma ciência que a técnica vem tornar eficaz. A procriação, de ser rebaixada pela técnica real, não pode mais usar dos artifícios simbólicos que subsidiavam sua realização nos laços de casais estéreis. É a esterilidade, sempre possível, da relação sexual que é desafiada pelos avanços tecnobiológicos medicais. De repente, e seguindo uma lógica que ninguém pode contestar, isso se verifica somente graças aos progressos científicos, agora nenhuma relação sexual é mais estéril, deve ser do mesmo modo para as relações homossexuais, e não há aí razão, portanto, para que os casais homossexuais não possam procriar com a ajuda da tecnologia médica. Uma única questão se coloca, à qual este livro se atrela, é que se a PMA ou a GPA(7) foram inventadaspara remediar as situações de uma impossível procriação, potencialmente possível, quando elas são aplicadas para os casais homossexuais elas vêm remediar a uma procriação realmente impossível, elas são uma negação do Real, uma recusa do impossível. Não se trata aqui de dizer que os parentes homossexuais são menos bons parentes que os parentes heterossexuais, todos os estudos um pouco sérios demonstram o contrário, trata-se simplesmente de sublinhar que a procriação homossexual é, no real, impossível, salvo em certas espécies bissexuais ou nas procriações por partenogênese. Essa negação do real da sexuação vem minar um dos pontos centrais dos mitos das origens e da organização simbólica das relações humanas, e especialmente aquele que funda a origem, sempre bissexuada de todo ser humano, de todo mamífero vivente. 
       O que, no seu fundo, vem a se colocar como questão nesses debates, é o direito de ter uma criança fora da sexualidade, e é esta questão, tão urgente, que vem trabalhar a obra de Silvane Marchesini, de maneira rigorosa. Sua dupla formação de jurista e de psicanalista a coloca no coração deste debate social cujos riscos são capitais, e lhe permitem trabalhar isto, não somente do lado da construção subjetiva, o que nós podemos esperar de uma psicanalista, mas também do lado jurídico da igualdade detodos perante a lei que, como o prova o Direito às armas da Constituição americana, pode conduzir ao pior. 
        É com fineza, mas também rigor, que Silvane Marchesini se aventura nesse debate em que cada passo antecipadamente retido, a defesa do real sendo desigual do fato (de que um homem não é uma mulher), e, a defesa da igualdade vinda de o Direito negar o real da cisão sexual (homossexualidade e heterossexualidade são equivalentes). Esta tensão entre Direito, bem percebida por ela como um puro fenômeno de discurso, e 
(5) A diminuição da natalidade em toda parte onde as condições de vida econômica se tornam estáveis demonstra, não poderia ser melhor, este laço entre filiação e sobrevivência individual. 
(6) Ainda precisaria tomar em conta aqui os numerosos casos de casais ditos estéreis que procriam naturalmente desde os processos de adoção ou de fecundação médica bem sucedidos. 
(7) N.T.: PMA = Procriação Medicamente Assistida. GPA = Gestação por Outra – gestação substitutiva, vulgo mãe de aluguel. 
                
tecnociência, bem concebida como pura modelagem discursiva do mundo, faz toda a pertinência desta obra na qual o debate societal se concebe como uma oposição entre dois discursos. Para o dizer em outros termos, o que nos demonstra maravilhosamente bem Silvane Marchesini, é que o debate em torno do direito de ter uma criança fora da sexualidade não é uma querela no Direito em torno da igualdade dos direitos, mas bem uma querela de discurso, uma querela sobre a maneira cujo o parlêtre (ser de linguagem) se acomoda do impossível na ocorrência sexual. 
       Este livro, assim, participa da antropologia, e particularmente desse tronco especial, inaugurado por Claude Levi-Strauss que estuda as relações do humano ao limite, ao impossível e ao real. A leitura psicanalítica desses discursos que constituem o laço social é neste campo bem vinda no tratamento que ela faz desta particularidade do humano, ser que recusa o limite do real, que recusa de ser afetado por esta “doença humana”: a castração. 
Nice, julho de 2015. 
Prof. Xavier-Serge Lesourd 

LE DROIT D’AVOIR UN ENFANT HORS SEXUALITÉ 
        Le titre même du livre de Silvane Marchesini, le droit d’avoir un enfant hors sexualité, est un paradoxe qui vient souligner la compléxité des questions qui se posent aujourd’hui suite aux progrès des technologies médicales qui ont séparé l’acte sexuel de la procréation, l’acte de désir de la création d’une nouvelle vie humaine. 
        Pour tenter d’éclairer ce paradoxe il nous faut développer quelques peu ce qui est au coeur des questions fondamentales que pose ce livre pour notre postmodernité en situant les termes du débat : la question de l’origine, le lien entre sexualité et procréation, la mise en forme de ces questions par cette forme particulière du récit qu’est le Droit. 
        En premier lieu ce livre vient tenter de questionner ce “mystère de l’origine” dans les coordonnées actuelles de la Science médicale et de la gouvernance du monde par l’économie qui tentent de créer des nouveaux droits pour les individus de notre postmodernité. Ce mystère de l’origine est de tout temps, de toute société et de tout âge. “Où étais je avant d’être au monde” cette question que les enfants ont toujours posée à leurs parents, est une question sans réponse. Et c’est parce que l’origine est un mystère, “l’homme est celui a qui une image manque(8)” que, depuis que l’homme parle, il a inventé des mythes, des récits, pour tenter de rendre compte et d’organiser un sens face à cet “impensable”. La Théogonie d’Hésiode, comme la Genèse et la théorie scientifique de l’homoculus spermatique ou celle de la pénétration de l’ovule par le spermatozoïde, sont des récits de cette création du sujet qui mettent en forme les rapports des humains à leur origine. Certes ces récits n’ont pas la même valeur scientifique, mais ils ont pourtant même fonction: ils viennent rendre compte pour une époque donnée de l’origine des liens qui fondent un être humain, des liens qui unissent un enfant à ses parents, géniteur ou non. 
        En leur fond, toutes ses conceptions de la filiation, que le Droit reprend à son compte dans sa formalisation logique, restent des récits qui mettent en forme la succession des générations, la repro- duction sexuée et la différence des sexes pour une époque donnée. 
       En effet, nulle époque n’a ignoré qu’il fallait qu’il y ait des rapports sexuels génitaux entre un homme et une femme pour qu’apparaisse, d’abord un arrêt de l’écoulement sanguin des menstruations, ensuite une nouvelle vie dans le ventre de la femme devenue mère. La façon, dont les récits rendent compte de cette apparition de l’enfant sont, eux, multiples et variés, et constituent les particularités culturelles et juridiques d’une époque donnée. Nulle époque, non plus n’a ignoré que certains rapports 
(8) QUIGNARD, P. Le sexe et l’e roi. Paris : Ed de Minut, 1987. 
        
sexuels étaient inféconds et chaque société a inventé des façons particulières de pallier à cette stérilité. Depuis les amants des mères jusqu’au mère-père des sociétés de l’afrique centrale en passant par les concubines des rois et les adoptions diverses, toutes les solutions imaginables ont été inventées, pour que la stérilté des rapports sexuels puisse être compensée par une pratique qui permette de donner la vie une descendance. La filiation, en effet, devient pour l’être humain être une des conditions qui permet d’affronter l’autre mystère de la vie humaine: que serai-je après ma mort(9)? 
       La filiation est ainsi, pour l’être humain le seul lieu qui traite ensemble des mystères de l’avant et l’après la vie, qui donc ainsi “éternise” la vie individuelle en construisant un avant (la suite des ancêtres) et un après (la succession des descendants) au dela la “présence au monde” de l’individu. En cela la filiation, qui fait trace du désir des géniteurs et perpétue le désir subjectif dans les enfants, s’inscrit au coeur de la psyché humaine la plus intime, celle de l’inconscient le lieu du désir subjectif qui ignore la mort. Elle permet ainsi au sujet, dans sa plus stricte intimité d’être de toujours et pour toujours, atténuant ainsi le poids angoissant de la finitude. 
       D’autres voies sont ouvertes pour cette “survie” comme le montre bien les chemins de l’art, de la création ou de l’enseignement. Mais ces voies sublimatoires qui tranforment le désir de réalisation de soi et de jouissance individuelle en bien culturels et sociaux ne sont pas toujours ouvertes à l’individu, non par défaillance individuelle, mais parce que les conditions réelles de la vie d’un individu peuvent s’y opposer. Précarité, misère, danger de guerre, insécurité, tous ces facteurs quand ils dominent la vie individuelle en centrant celle-ci sur une survie immédiate, empêchent la réalisation de soi par les oeuvres culturelles, et malheureusement c’est le lot d’une grande part de l’humanité. La filiation redevient alors l’unique moyen de survie de l’individu(10) 
        Autre chose dans notre société moderne est le Droit à l’enfant que revendiquent ceux qui mettent en oeuvre une sexualité non procrétrice, que celle-ci soit homo ou hétérosexuée. Ce Droit à l’enfant est venu à l’origine des parents hétéroséxués qui, pour diverses raisons médicales(11) , ne pouvaient pas avoir d’enfant. Le progrès technoscientifique permettant de pallier, par des moyens réels et non plus symboliques, à l’abscence de fécondation s’est mis au service des demandes parentales, reléguant les procédures symboliques anciennes (Kafala, amant procréateur, etc.) au rang des tromperies perverses. La conception est devenue une affaire médicale, une science que la technique vient rendre efficace, la procréation d’être rabattue sur la technique réelle ne peut plus user des artifices symboliques qui subvenaient à sa réalisation dans les liens de couples stériles. C’est la stérilité même, toujours possible, du rapport sexuel qui est remise en cause par les avancées technobiologiques médicales. Du coup, et selon un logique que nul ne peut contester, s’il s’avère que grâce aux progrès scientifiques aucun rapport sexuel n’est stérile, il doit en être de même pour les rapports homosexués, et il n’y a donc pas de raison que les couples homosexuels ne puissent pas procréer avec l’aide de la technologie médicale. Une seule question se pose, à laquelle se livre s’attèle, c’est que si les PMA ou GPa ont été inventées pour pallier à des situations d’une impossible procréation, potentiellement possible, quand elles sont appliquées pour les couples homosexuels elles viennent pallier à une procréation réellement impossible, elles sont un déni du Réel, un refus de l’impossible. Il ne s’agit pas ici de dire que les parents homosexuels sont de moins bons parents que les parents hétérosexuels, toutes les ÉTUDES un peu sérieuses démontrent le contraire, il s’agit simplement de souligner que la procréation homosexuelles est, dans le réel, impossible, sauf chez certaines espèces bisexuelles ou dans les procréations par parthénogénèse. Ce déni du réel de la sexuation vient mettre à mal un des points centraux des mythes des origines et de l’organisation symbolique des rapports humains, et spécialement celui qui fonde l’origine, toujours bisexuée de tout être humain, de tout mamifère vivant. 
        Ce qui, en son fond, vient à se poser comme question dans ces débats, c’est le droit d’avoir un enfant hors sexualité, et c’est cette question, au combien pressante, que vient travailler l’ouvrage de 
(9)
propos de les traiter ici. 
D’autres type de récits ceux du paradis où de la réincarnation viennent aussi rendre compte de cette deuxième énigme, mais il n’est pas de notre 
(10) La diminution de la natalité partout où les conditions de vie économique deviennent stables démontre, on ne peut mieux, ce lien entre lia- tion et survie individuelle. 
(11) Encore faudrait-il tenir compte ici des très nombreux cas de couples dits stériles qui procréent naturellement dès le processus d’adoption ou de fécondation médicale réussi. 
              
Silvane Marchesini, de manière rigoureuse. Sa double formation de jursite et de psychanalyste la porte au coeur de ce débat social dont les enjeux sont capitaux, et lui permet de travailler celui-ci, non seulement du côté de la construction subjective ce que nous pouvons attendre d’une psychanalyste, mais aussi du côté juridique de l’égalité de tous devant la loi qui, comme le prouve le droit aux armes de la constitution américaine, peut conduire au pire. 
        C’est avec finesse, mais aussi rigueur, que Silvane Marchesini s’aventure dans ce débat où chaque pas est d’avance piégé, la défense du réel étant inégalitaire de fait (un homme n’est pas un femme), la défense de l’égalité venant de Droit nier le réel de partition sexuelle (homosexualité et hétérosexualité sont équivelentes). Cette tension entre Droit, bien perçu par elle comme un pur phénomène de discours, et technoscience, bien conçu comme pure modélisation discursive du monde, fait toute la pertinence de cet ouvrage dans lequel ce débat sociétal se conçoit comme une opposition entre deux discours. Pour le dire en d’autres termes, ce que nous démontre merveilleusement bien Silvane Mar- chesini, c’est que le débat autour du droit d’avoir un enfant hors sexualité n’est pas une querelle dans le droit autour de l’égalité des droits, mais bien une querelle de discours, une querelle sur la façon dont le parlêtre s’accomode de l’impossible en l’occurrence sexuel. 
        Ce livre, ainsi, participe de l’anthropologie, et particulièrement de cette branche spéciale, inaugurée par C. Levi-Strauss qui étudie les rapports de l’humain à la limite, à l’impossible et au réel. La lecture psychanalytique de ces discours qui consituent le lien social est dans ce champ bienvenue dans le traitement qu’elle fait de cette particularité de l’humain, être celui qui refuse la limite du réel, qui refuse d’être affecté par de cette « maladie humaine » : la castration. 
Nice, julho de 2015. 
Prof. Xavier-Serge Lesourd



PREFÁCIO do livro:

SUJEITO DE DIREITO NA TRANSFERÊNCIA



O percurso realizado nesta produção de Silvane Maria Marchesini em O Sujeito de Direito na Transferência, numa perspectiva psicanalítica sustentada na Teoria dos Discursos lacaniana, enriquece a mediação de conhecimentos, ampliando possibilidades de importante reflexão crítica desde a Filosofia Geral, introduzindo-se na Filosofia do Direito, e enfocando complexa discussão sobre critérios de identificação do sujeito cidadão regulamentado pelo sistema jurídico.
Construindo uma articulação Transdisciplinar, devido à sensibilidade perceptiva da autora para tecer esta interação discursiva entre Psicanálise e Direito, ela nos apresenta com sutileza formas de conectabilidade epistemológica, destacando elementos de modo próprio a possibilitar o fluxo de informações nos distintos campos de conhecimento.
Aprofundando-se, através de pesquisa propedêutica psicofilosófica, na gênese e na complexidade do comportamento humano, a autora desperta o interesse pela teoria freud-lacaniana e pela temática de suma importância da estruturação do aparelho psíquico e da pluralidade de elementos inconscientes que influem nas relações dos sujeitos com a Lei.
Colaborando com a construção crítica do conhecimento, relê a complexa Teoria dos Discursos de Lacan pondo em destaque a problematização da Lei, das discursivas do sujeito e sobre os sujeitos excluídos do discurso da ciência. Relativiza a ética jurídica passando a considerar a ética psicanalítica do desejo inconsciente para solução dos conflitos jurídicos. Propõe novas práticas forenses e políticas públicas que passem a dar mais importância e garantias ao direito fundamental decorrente da personalidade, alusivo à integridade psicofísica nas fases do desenvolvimento infantil e adolescente, visando construção e desenvolvimento da subjetividade e cidadania.
Suscita questões sobre o fundamento das leis, da Lei (com L maiúsculo) da humanidade inserida na linguagem e das leis particulares (com l minúsculo) que por razões históricas foram construídas e desenvolvidas nos Estados, colocando uma reflexão sobre o que seria da ordem do humano e do não humano. Uma reflexão sobre a crise entre direitos legais e não legais, tais como, direitos políticos das minorias por exemplo. Esclarece que não se trata de qualidade das leis, mas, de tensão entre dois tipos de referências, dois tipos de registros como os que se manifestam no campo do Direito Natural e do Direito Positivo, no campo da família e do Estado, na religião e na ciência de modo geral.
Problematiza, então, a Lei com questões sobre suas dimensões para buscar melhor compreender as causas da obediência e da transgressão, assim como, a respectiva capacidade e responsabilidade individual de cada um por seu ato seja ele jurídico ou não. Invoca a Lei em seus diversos níveis de construção apelando à sua dimensão ética, que pode ser religiosa, moral, filosófica, psicanalítica ou humana.
Abre uma discussão que inclui as fronteiras do que é julgado humano e do que se deve ou não legiferar, pois uma lei se presta à universalização e à utilização perversa da mesma lei e de desresponsabilizações.
Apresentando, portanto, subsídios de modo novo para reflexões filosóficas e juspsicanalíticas, derivados de pesquisa acadêmica e clínica, a autora resgata as origens da lei como manifestação de um processo antropológico assegurador da continuidade da espécie, com instauração de limites no contexto das civilizações. Demonstra, deste modo, o caráter institucional das leis jurídicas em seus distintos aspectos de conteúdos históricos e culturais, assim como, a afiliação da organização jurídica em relação à organização edipiana, mais especificamente, no desenvolvimento da instância denominada superego. Estudo que ultrapassa o dogmatismo clássico do Direito ressaltando a importância político-pedagógica da zetética jurídica, da educação estruturante e desalienante, e da responsabilidade em ato de cada sujeito, em função da internalização de valores culturais e tradicionais.
A Psicanálise relativiza as leis, assim como as éticas. Freud ao teorizar sobre pulsões de vida e de morte, de prazer e de violência, sobre o princípio do prazer que deve ser reprimido pelo princípio de realidade, considerou o preço pago pelo indivíduo para obedecer às normas sociais e à moral sexual oficializada, demonstrando o trabalho psíquico exigido nesse processo o qual poucos conseguem elaborar. Baseando-se na antropologia, Freud se refere à Lei do Complexo de Édipo e Lacan à Lei do Nome do Pai. Isto significa que todo filho do humano precisa encontrar uma resolução para este complexo e aceitar a barreira da interdição do incesto e do parricídio, ainda que se trate de lei não escrita. O sujeito passa a existir na medida em que consente à lei da coletividade humana, numa relação de dupla natureza, ora recusando a lei que limita seus impulsos ora invocando a lei que ao mesmo tempo o protege.
A lei em seus níveis individual e social se constrói de perdas solidárias do gozo de tudo poder, no ponto de interseção onde o sujeito singular e o sujeito coletivo se reúnem assentindo às interdições incestuosas, ou seja, às nuanças da ética edípica.
Com efeito, não é possível refletirmos sobre as oposições da Lei humana da linguagem distintiva das demais espécies animais em relação às leis jurídicas que se desenvolvem no nível das sociedades concretas, sem considerarmos o funcionamento subjetivo consciente e inconsciente e as várias dimensões da lei e suas influências recíprocas na subjetividade.



Freud fala em Totem e Tabu do assassinato do pai que tudo pôde como fundador da lei, e do pacto social como limitador do gozo antes ilimitado, para que depois os filhos pudessem continuar a gozar de modo limitado e se respeitarem. Portanto, a relação do sujeito com a lei tem natureza dupla, pois ele fica dividido entre o pactuado que limitou o gozo e o gozo ilimitado arbitrário e violento que o habita por herança do pai totêmico morto.


A Interdição do Incesto e do Parricídio aparecendo como fundamento da Lei humanizadora e, também, das leis jurídicas, passa a abrir pesquisas sobre “como” e “em que” uma sociedade nos seus diferentes níveis discursivos, particular e público, intervém na construção do aparelho psíquico e, portanto, da subjetividade e da cidadania.




A Lei é um constrangimento exógeno ao sujeito, que vem do Outro, mas que o sujeito precisa assentir internamente, ou seja, internalizar as proibições externas para conviver na civilização.


Este processo simbólico de construção dos limites entre o corpo e a alma, entre o orgânico e a psique, aponta para a questão da sexuação e da filiação alusiva ao lugar e a função que cada um ocupa na sequência das gerações. Processo complexo que conduz a pensar sobre o que é um pai ou um genitor biológico, uma mãe ou uma geradora, um filho ou um agregado, um mestre ou um desvirtuado, um chefe, um agente político, um subordinado, um alienado, etc.; ou ainda, um excluído das regras do processo identificatório em decorrência do esgarçamento dos laços sociais e do totalitarismo pragmático.


Nesta reflexão a autora lembra que a psicanálise ressalta que a Lei estruturante da linguagem, assim como, as leis jurídicas sempre deixam algo de não escrito, de proibido e que é compartilhado pela humanidade, distinguindo o sagrado do profano. Assim, o limite, a Lei como significante, como referência simbólica humana é que organiza o pensamento, principalmente, com relação às questões da vida e da morte, e da especiação humana.


Destaca, também, que a fundação do direito nos primórdios da espécie surgiu de um longo e complexo ‘sistema paradoxal’ de ‘gozo ilimitado e interdições’, elaborando-se a Lei da proibição do incesto, do parricídio e o estabelecimento da propriedade e do patrimônio. Portanto, para que a Lei seja uma interdição de algo que não pode ser transgredido (campo do impossível), e não seja somente uma proibição de algo que pode ser desobedecido (campo da impotência), é necessário que o ‘voto moral’ esteja internalizado na integração da personalidade.


Ressalta que o modo como cada um internaliza a Lei de interdição do incesto define a identidade do sujeito humano que vem a ser regulamentado como sujeito de direito. Por um lado, porque a Lei proibitiva do incesto é estruturante da constituição subjetiva, pois define o lugar do sujeito na sequência de gerações, e sua relação com as leis sociojurídicas. E por outro, demonstra que não podemos esquecer que as outras leis, as jurídicas que relevam os contingentes históricos de cada época e cultura, apesar de não constituírem contraentes de estrutura, são um dos principais influentes externos na subjetividade e, portanto, na cidadania.

O que interessa ressaltar ao campo jurídico nesta obra é que as diferentes transgressões ou perversões da lei ou formas de loucura se desenrolam ao longo de várias gerações. Todos os excessos e infrações de uma geração se transmitem inconscientemente para as próximas famílias e coletividades. O que não se limita nos pais retorna na descendência, e para que surja a loucura são necessárias três gerações.
Portanto, discorrendo a autora sobre as especificidades das distintas dimensões da Lei e das tensões que a antecedem, separando ‘campo do interditado anterior à palavra do campo do proibido’, podemos dizer que a autora faz uma “ponte propedêutica”, comunicando e suscitando a reflexão crítica entre ciência do Direito como axiomática e a ciência jurídica como técnica, pela interseção da verdade jurídica.
Poderíamos afirmar, inclusive, em termos filosófico-psicanalíticos, cujas articulações recentes vêm tecendo novas narrativas com o campo do Direito, que neste livro se trata de um desvelar das duas naturezas humanas: a orgânica e a cultural. Narrativa que testemunha a persistência “do primitivo em nosso mundo”, desnudando elementos que compõem fases precoces da construção da lei no supereu individual e no supereu coletivo. Isso leva a pensar sobre as projeções defensivas na atualidade de um invertido individualismo de massa contemporânea, onde o sujeito não é vitorioso sobre o coletivo e punido pelas transgressões desmedidas da lei do Estado por defender a sua verdade até as últimas consequências, mas sim, é o cidadão em condição de alienação, frágil perante o sistema estatal e mercadológico.
Na perspectiva psicanalítica, a subjetividade é pensada a partir de um postulado teórico denominado Identificação Primária, que se dá entre os seres humanos e todos os conflitos psíquicos que disso redundam. A consideração da instância psíquica do inconsciente, revela distância, devido ao recalcamento, entre a Lei do desejo individual e as leis das sociedades concretas. Ou seja, conflito entre o indivíduo e o Estado, conflito que precisa ser analisado em suas diferentes dimensões de legiferação, pois o conflito originante não se situa entre a Lei e o desejo, mas, entre a Lei e o gozo absoluto intencionado. O conflito de toda relação jurídica ou institucional, segundo a autora, situa-se, não entre ‘o direito ou não direito’, mas, entre a valoração do ‘não cumprimento de um pacto’ e a interpretação contida no edito da lei em relação ao respectivo ato de transgressão.
A autora nos fala, então, da Lei da humanidade que interdita o incesto em todas as suas nuances e que determina o modo de gozo limitado no curso da palavra e da existência, salvaguardando os indivíduos do estilhaçamento da integridade psíquica em casos de aquiescerem ao gozo trágico ilimitado de desejos incestuosos. Assim, situa os conflitos originantes da lei, retroativamente, entre a lei e a anomia, e não entre as dimensões das leis da coletividade e dos indivíduos. Deste modo, ela aponta para a tensão existente entre diferentes tipos de referências, de registros conscientes e inconscientes.
Nesta articulação transdisciplinar entre Direito e Psicanálise, percebemos a importância dos referenciais simbólicos e axiológicos para avaliação do comportamento humano. Percebemos ainda, a importância do estabelecimento de um ponto de unidade diferencial entre a diferença e a repetição das ações medidas ou desmedidas para tentarmos o evitamento das constantes incongruências e tragédias humanas, como único modo de restabelecimento da ordem social violada.
Tal é o problema que permanece quase insolúvel após séculos de cultura humana: a dificuldade de detectar o ponto mínimo diferencial entre o bem e o mal, nas reiteradas desmedidas do comportamento humano, cujo fio de ouro esclarecedor parece estar na cuidadosa apreciação, dos efeitos das ações, de maneira retroativa. Dito de outro modo, a possibilidade de novas exegeses parece estar na retroatividade, ou seja, num processo de inversão que possibilita o surgimento de um novo estilo de significante de Direito.
Julgar o que é justo exige equilíbrio de forças normativantes num complexo e paradoxal processo onde se organizam tensões alusivas à autonomia e tensões alusivas à heteronímia de submissão à autoridade hierárquica e ao modelo das expectativas dos outros, internalizadas. Exige pactuar uma solução de compromisso entre indivíduos e entre indivíduos e coletividade, para encontrar resoluções às contradições decorrentes de disjunções que se tornaram conjunções meramente argumentativas.
A arte em obra nessa mediação de conhecimentos sobre a Lei psíquica e as leis jurídicas continuará operando na pós-modernidade por expressar a grande dificuldade humana de encontrar um ponto de unidade ético mais satisfatório e mais benévolo para a singularidade subjetiva a ser respeitada no coletivo. Daí parece decorrer a importância da utilização da articulação de conhecimentos de campos distintos, pois através da reflexão articulada e de propostas práticas se constrói cultura e se educa para a sensibilidade e responsabilidade.
Os leitores se instigarão pela busca apaixonada que a autora percorreu no saber do inconsciente, visando entender mais sobre os interditos sociofamiliares que influem na contenção da violência e das psicopatologias.
A lição última dessa leitura no aspecto psicossocial e jurídico, é que as desmedidas concepções de justiça, o desrespeito às condições que possibilitem a construção de sujeitos cidadãos, ao mesmo tempo, autônomos e heterônomos hierarquicamente aos valores coletivos, desnorteiam a comunidade humana.
Para finalizar de modo mais pragmático, destaco a problemática da distinção no tratamento da infração legal cometida por menor de 18 anos incompletos e por maior com 18 anos recém-completos. A questão que se coloca é sobre a interiorização da Lei como estruturante da subjetividade ou a lei tomada apenas como referencial de obediência forçada e perversa à autoridade externa de uma coletividade que não assume seus filhos, pois a maturidade subjetiva depende de conquistas sociais e políticas de desalienação e responsabilização individual e coletiva.
Lembro que segundo Pierre Legendre o Direito não é simplesmente uma questão de normas, leis e regulamentos. O “direito institui vida”, estabelece critérios de reconhecimento e identificação subjetiva classificando os níveis de capacidade e responsabilidade jurídicas. Daí a necessidade apontada pela autora do desenvolvimento de uma Teoria da Personalidade no campo do Direito que incorpore os novos saberes das ciências que estudam as psicopatologias da alma.
 
Francisco Carlos Duarte
Pós-Doutor em Direito pela Universidade do Salento – Itália e
pela Universidade de Granada – Espanha.



PREFACE du livre:


LE SUJET DE DROIT DANS LE TRANSFERT


Le parcours effectué dans cette production de Silvane Maria Marchesini sur Le Sujet de Droit dans le Transfert, dans une perspective psychanalytique appuyée sur la Théorie des Discours lacanienne, enrichit la médiation entre connaissances, en amplifiant les possibilités dune importante réflexion critique à partir de la Philosophie générale, sintroduisant dans la Philosophie du Droit, et mettant en lumière une complexe discussion à propos des critères de lidentification du sujet citoyen réglementé par le système juridique.
Élaborant une articulation transdisciplinaire, vu la sensibilité perceptive de lauteure pour composer cette intersection discursive entre la Psychanalyse et le Droit, lécrivain nous expose avec subtilité des formes de connectabilité épistémologique, en nous faisant remarquer, dun mode particulier, certains éléments rendant possible le flux dinformations entre les divers domaines de la connaissance.
En sapprofondissant dans ses analyses, à travers une recherche propédeutique psycho-philosophique du comportement humain dans sa genèse et dans sa complexité, elle provoque lintérêt du lecteur à légard de la théorie freudo-lacanienne et de la très importante thématique de la structuration de lappareil psychique et de la pluralité des éléments inconscients qui influent dans les relations des sujets avec la Loi.
Collaborant avec la construction critique de la connaissance, lauteure reprend la complexe Théorie des Discours de Lacan, en mettant en évidence la problématisation de la Loi et des ensembles des discours du sujet et sur les sujets exclus du discours de la science. Ainsi, elle relativise léthique juridique en considérant léthique psychanalytique du désir inconscient pour la solution des conflits juridiques. Elle propose aussi de nouvelles pratiques juridiques et politiques permettant doffrir plus dimportance et de garanties au droit fondamental dérivant de la personnalité, correspondant à lintégrité psycho-physique durant les phases des développements infantile et adolescent, et visant à la construction et le développement de la citoyenneté.
Elle suscite des questions sur le fondement des lois, de la Loi (avec L majuscule), de lhumanité insérée dans le langage et des lois (avec l minuscule) particulières qui, pour des raisons historiques, ont été construites et développées par les États, tout en portant une réflexion sur ce qui serait de lordre de lhumain et du non-humain. Une réflexion sur la crise entre les droits légaux et non-légaux, tels ceux, par exemple, concernant les droits politiques des minorités. Elle éclaircit quil ne sagit pas de la qualité des lois, mais, de la tension entre deux types de références, soit, entre deux types de registres, tels ceux qui se manifestent dans le domaine du Droit Naturel et du Droit Positif, dans le domaine de la famille, de lÉtat, de la religion et de la science en général.
Lécrivain problématise donc la Loi, en questionnant ses dimensions, pour chercher à mieux comprendre les raisons de lobéissance et de la transgression, ainsi que la respective capacité et responsabilité individuelle de chacun pour son acte, quil soit juridique ou non. Elle invoque la Loi dans ses différents niveaux de construction en appelant à sa dimension éthique, qui peut être religieuse, morale, philosophique, psychanalytique, ou humaine.
Lauteure entame ainsi une discussion dans laquelle sinsèrent les frontières de ce qui est jugé humain et de ce qui doit ou non être légiféré, car une loi se prête à luniversalisation, mais aussi à son utilisation perverse et à des déresponsabilisations.
En exposant donc dun mode nouveau des éléments propres aux réflexions philosophiques et jus-psychanalytiques, dérivées dune recherche académique et clinique, lauteure remet en importance les origines de la Loi comme une manifestation dun procès anthropologique, assurant la continuité de lespèce, avec linstauration de limites dans le contexte des civilisations. Elle démontre, ainsi, le caractère institutionnel des lois juridiques dans les distincts aspects de ses contenus historiques et culturels, comme la filiation de lorganisation juridique en relation à lorganisation œdipienne, mais, particulièrement, dans le développement de linstance nommée surmoi. Une étude qui outrepasse le dogmatisme classique du Droit en mettant en relief limportance politico-pédagogique de la zététique juridique, de léducation structurante et désaliénante et de la responsabilité en acte de chaque sujet, en fonction de linternalisation des valeurs culturelles et traditionnelles.
La Psychanalyse relativise les lois, mais aussi les éthiques. En théorisant à propos des pulsions de la vie et de la mort, du plaisir et de la violence, et à propos du principe du plaisir qui doit être réprimé par le principe de la réalité, Freud a considéré le prix payé par chaque individu à fin dobéir aux normes sociales et à la morale sexuelle officialisée, démontrant le travail psychique exigé dans ce processus, auquel peu sont ceux qui arrivent à l'élaborer. En se fondant sur lanthropologie, Freud se réfère à la Loi du complexe dœdipe et Lacan à la Loi-du-Nom-du-Père. Cela signifie que tout enfant dêtre humain doit trouver une solution de ce complexe et accepter la barrière de linterdiction de linceste et du parricide, même sil sagit dune loi non écrite. Le sujet réussi à exister à mesure quil consent à la loi de la collectivité humaine, dans une relation de double nature, des fois, en refusant la loi qui limite ses impulsions, dautres fois, en invoquant la loi qui en même temps le protège.
La loi à son niveau individuel et social se construit à partir de pertes solidaires de la toute jouissance, au point de lintersection où le sujet singulier et le sujet collectif se réunissent en consentant aux interdictions incestueuses, cest-à-dire, aux nuances de léthique œdipienne.
En effet, il nest pas possible de réfléchir sur les oppositions de la Loi humaine du langage, distinctive des autres espèces animales, en relation aux lois juridiques qui se développent au niveau des sociétés concrètes, sans considération du fonctionnement subjectif conscient et inconscient et aux diverses dimensions de la loi et ses influences réciproques sur la subjectivité.
Freud évoque dans Totem et Tabou lassassinat du père qui peut tout en tant que fondeur de la Loi et du pacte social en tant que limitateur de la jouissance autrefois illimitée, à fin que plus tard les fils puissent continuer à jouir dune façon limitée et à se respecter. Donc, la relation du sujet avec la Loi tient une nature double, car elle se trouve divisée entre le convenu qui a limité la jouissance et la jouissance illimitée arbitraire et violente qui lhabite par hérédité du père totémique mort.
Linterdiction de lInceste et du Parricide, considérée comme un fondement de la Loi humanisante et, aussi, des lois juridiques, permet daccéder à des recherches à propos de « Comment » et « en quoi » une société dans ses divers niveaux discursifs, particulier et publique, intervient dans la construction de lappareil psychique et, donc, de la subjectivité et de la citoyenneté.
La Loi est une contrainte exogène au sujet, qui vient de lAutre, mais que le sujet doit consentir intérieurement, cest-à-dire, intérioriser les interdits extérieurs pour pouvoir convivre dans la civilisation.
Ce processus symbolique de construction des limites entre le corps et lâme, entre lorganique et le psychique, révèle la question de la sexuation et de la filiation, référente au lieu et à la fonction que chacun occupe dans la suite des générations. Un processus complexe qui conduit à penser sur ce qui est un père ou un géniteur biologique, une mère ou une génératrice, un fils ou un agrégé, un maître ou un désapprouvé, un chef, un agent politique, un subordonné, un aliéné etc., ou encore, un exclu des règles du processus identificatoire en occurrence de la rupture des liens sociaux et du totalitarisme pragmatique.
Dans cette réflexion, lauteure rappelle que la psychanalyse indique que la Loi structurante du langage, ainsi que les lois juridiques laissent toujours quelque chose de non-écrit, dinterdit et qui est répandu dans lhumanité, distinguant le sacré du profane. De la sorte, cest la limite, la Loi comme signifiant, comme une référence symbolique humaine, qui organise la pensée, surtout dans les questions de la vie et de la mort et de la spécification humaine.
Elle met en évidence aussi que le fondement du droit à lorigine de lespèce est le fruit dun long et complexe système paradoxal de jouissance illimitée et dinterdictions, conséquent à lélaboration de la loi de linterdiction de linceste, du parricide et de létablissement de la propriété et du patrimoine. Donc, pour que la Loi soit une interdiction de quelque chose qui ne peut pas être transgressé (champ de limpossible impossibilité), et ne soit pas seulement une prohibition dune chose qui peut être désobéie (champ de limpouissance), il faut que le vœu moral soit entériné dans lintégration de la personnalité.
Lauteure explique que le moyen par lequel chacun entérine la loi de linterdiction de linceste définit lidentité du sujet humain qui est réglementé comme un sujet de droit. Dun côté, parce que la Loi prohibitive de linceste est structurante de la constitution subjective, car elle définit le lieu du sujet dans le fil des générations et sa relation avec les lois socio-juridiques. Et de lautre, elle démontre que lon ne peut pas oublier que les autres lois surtout les juridiques, qui font valoir les contingences historiques de chaque époque et chaque culture quoique ne constituant pas des contraintes de structure, elles constituent l´un des principaux facteurs d'influence extérieurs de la subjectivité, donc de la citoyenneté.
Dans cette œuvre, ce qu'il importe de faire ressortir dans le champ juridique, cest que de différentes transgressions ou perversions de la loi ou des formes de la folie se déroulent au cours des diverses générations. Tous les excès et les infractions dune génération se transmettent inconsciemment aux familles et collectivités suivantes. Ce qui ne se limite pas chez les parents réapparaît chez leurs descendants et, pour que la folie surgisse, trois générations sont nécessaires.
Donc, en discourant à propos des spécificités des distinctes dimensions de la Loi et des tensions qui la précèdent, séparant le champ de linterdit antérieur à la parole du champ du défendu, on peut dire que lauteure fait un pont propédeutique, communiquant et suscitant la réflexion critique entre la science du Droit comme axiomatique et la science juridique comme technique, par lintersection de la vérité psychanalytique.
On peut aussi affirmer, en des termes philosophico-psychanalytiques, dont les articulations récentes viennent composer de nouvelles narrations avec le champ du Droit, quil sagit dans cette œuvre dun dévoilement de deux natures humaines: lorganique et la culturelle. Une narration qui témoigne de la persistance du primitif dans notre monde, dénudant des éléments qui composent des phases précoces de la construction de la Loi au niveau du surmoi individuel et du surmoi collectif. Cela mène à réfléchir sur les projections défensives dans lactualité dun individualisme inverti de la masse contemporaine, où le sujet nest pas victorieux sur le collectif ou puni pour ses transgressions démesurées contre la loi de lÉtat dans le but de défendre sa vérité jusquaux dernières conséquences, mais plutôt, il est le citoyen en condition daliénation, fragile devant le système étatique et mercadologique.
Selon la perspective psychanalytique, la subjectivité est pensée à partir dun postulat théorique nommé Identification Primaire, qui se produit entre les êtres humains, et tous les conflits psychiques qui en résultent. La considération de linstance psychique de linconscient, révèle la distance due au refoulement entre la Loi du désir individuel et les lois des sociétés concrètes. Cest-à-dire, le conflit entre lindividu et lÉtat, un conflit qui doit être analysé dans ses différentes dimensions de légifération, car le conflit originaire ne se situe pas entre la loi et le désir, mais entre la Loi et la jouissance absolue intentionnée. Le conflit de toute relation juridique ou institutionnelle ne se situe pas entre le droit ou le non-droit, mais entre la valorisation du non-achèvement dun pacte et linterprétation figurant dans lénoncé de la loi en rapport avec le acte respectif de transgression.
Lauteure évoque donc la Loi de lhumanité qui interdit linceste dans toutes ses nuances et qui détermine le mode de jouissance illimitée au cours de la parole et de lexistence, sauvegardant les individus de léclatement de lintégrité psychique dans les cas dacquiescence à la jouissance tragique illimitée des désirs incestueux. Ainsi, elle situe les conflits originants de la loi, rétroactivement, entre la Loi et lanomie, et non entre les dimensions des lois de la collectivité et des individus. De cette façon, elle indique la tension existante entre les différents types de références, de registres conscients et inconscients.
Dans cette articulation transdisciplinaire entre le Droit et la Psychanalyse, on se rend compte de limportance des références symboliques et axiologiques pour lévaluation du comportement humain. On saperçoit aussi de limportance de létablissement dun point dunité différentiel entre la différence et la répétition des actions mesurées ou démesurées afin que nous tentions lévitement des continuelles incongruences et tragédies humaines, comme le seul moyen de rétablissement de lordre social violé.
Tel est le problème qui demeure presque insoluble après des siècles de culture humaine: la difficulté de détecter le point minime différentiel entre le bien et le mal dans les excès réitérés du comportement humain, dont la meilleure explication paraît être dans lattentive appréciation des effets des actions de manière rétroactive. Autrement dit, la possibilité de nouvelles exégèses paraît être dans la rétroactivité, cest-à-dire, dans un procès dinversion qui rende possible la manifestation dun nouveau style de signifiant de Droit.
Discerner ce qui est juste exige un équilibre de forces normatives dans un processus complexe et paradoxal où sorganisent des tensions référantes à lautonomie et des tensions dues à lhétéronomie de la soumission à lautorité hiérarchique et au modèle des expectatives des autres, entérinées. Cela exige de pactiser une solution de compromis entre des individus et entre les individus et la collectivité, afin de trouver des solutions aux contradictions dérivées des disjonctions qui sont devenues des conjonctions purement argumentatives.
Lart mis en œuvre dans cette médiation de la connaissance sur la Loi psychique et les lois juridiques continuera en opérant durant la post-modernité pour exprimer la grande difficulté humaine de rencontrer un point dunité éthique plus satisfaisant et plus bénéfique pour la singularité subjective à être respectée par la collectivité. Doù résulte limportance de lutilisation de larticulation des connaissances venant de champs distincts, car cest à travers la réflexion articulée et les propositions pratiques que se construit la culture et que séduquent la sensibilité et la responsabilité.
Les lecteurs sengageront dans la recherche passionnée que lauteure a réalisée dans le savoir de linconscient, cherchant à comprendre un peu plus sur les interdits socio-familiaux qui aident dans la contention de la violence et des psychopathologies.
La dernière leçon de cette lecture de ces aspects psycho-sociaux et juridiques, c'est que les conceptions démesurées de justice, le non-respect des conditions qui permettent la construction de sujets citoyens, à la fois hiérarchiquement autonomes et hétéronomes par rapport aux valeurs collectives, désorientent la communauté humaine.
Pour terminer plus pragmatiquement, je mets en relief la problématique de la distinction dans le traitement de linfraction légale commise par un mineur de moins de 18 ans et par un majeur les ayant récemment complétés. La question qui se pose est sur lintériorisation de la loi comme structurante de la subjectivité ou de la loi prise seulement comme référentiel dobéíssance forcée et perverse, dautorité extérieure, dans une collectivité qui nassume pas ses enfants, car la maturité subjective dépend des conquêtes sociales et politiques de désaliénation et de responsabilisation individuelle et collective.
Je rappelle que selon Pierre Legendre le Droit nest pas simplement une question de normes, de lois ou de réglementations. Le « droit institue la vie », il établit des critères de reconnaissance et didentification subjectives, classifiant les niveaux de capacité et de responsabilité juridiques. Doù la nécessité indiquée par lauteure du développement dune théorie de la personnalité dans le domaine du Droit, incorporant les nouveaux savoirs des sciences qui étudient les psychopathologies de lâme.


Francisco Carlos Duarte
Post-docteur en droit, professeur à la
Pontificale Université Catholique du Paraná.











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